sábado, janeiro 03, 2009

Entrevista com Timothy Truman, parte 1

Começa aqui uma iniciativa que eu acho que vai adicionar muito ao blog - entrevistas com profissionais ligados aos quadrinhos. A idéia surgiu no MBB, fórum do qual participo. O escolhido foi Timothy Truman, autor de aclamadas séries como Grimjack, Hawkworld e Jonah Hex, e atualmente, o escritor de Conan, o Cimério.

1-
Porque você não começa nos contando um pouco sobre você?

Eu nasci no estado de West Virginia em 1956 e cresci no campo, numa família de mineradores. Terminei o colegial em 1974 e casei-me com minha esposa Beth pouco mais de dois meses depois – e ainda estamos casados, ela é o amor da minha vida. Enquanto ela terminava sua faculdade, eu trabalhava e tentava a carreira de músico. Quando ela se formou, eu fui à Joe Kubert School, aonde estudei de 1979 à 1981, e me formei com honras. Dois dias depois de ter me formado, consegui meu primeiro trabalho como ilustrador, e por três ou quatro anos eu trabalhei majoritariamente com ilustrações para livros de RPG com temas como fantasia e ficção-científica. No início dos anos 1980, comecei com as histórias de Grimjack e Starslayer para a First Comics.


Beth e eu temos dois filhos, Benjamin e Emily. Ben estuda Design de Jogos para Computador no Art Institute of Pittsburgh. Emily é estudante de fotografia Pennsylvania College of Art and Design.


Minha biografia completa pode ser encontrada no meu website, http://www.timothytruman.com .


2- Quando você percebeu que queria ser um artista?

Minhas irmãs e minha mãe costumam dizer que eu começei a desenhar no momento em que era grande o suficiente para segurar um lápis com minha mão. Sempre quis ser um artista, um escritor, um músico. E fui capaz de me tornar os três.

3- O que surgiu primeiro: A vontade de escrever ou de desenhar?

Eu gusto de ambas as atividades igualmente. Quando estou desenhando, quero estar escrevendo. Quando estou escreveu, quero estar desenhando. Quando estou escrevendo e desenhando, eu quero estar tocando minha guitarra! São minhas três grandes paixões.


4- O que lhe agrada mais: Escrever ou desenhar?

Honestamente, escrever me agrada mais, mas apenas porque eu tenho mais confiança na qualidade da minha escrita do que na dos meus desenhos. Foi somente nos últimos cinco anos que eu finalmente comecei a fazer um trabalho artistico com o qual eu esteja verdadeiramente feliz. Tenho muito orgulho da minha arte, mas sou também meu maior crítico. De qualquer forma, fico muito feliz que hajam tantas pessoas que gostam do meu trabalho. Amo meus fãs. E, no final das contas, eu tenho que desenhar. É algo que eu praticamente sou obrigado à fazer, acabo tendo pouco poder de decisão nessa questão.

5- Como escritor de quadrinhos, quais são seus métodos na hora de elaborar um roteiro?

Varia de um trabalho pro outro. Minhas histórias geralmente surgem após um pouco de pesquisa da minha parte. Eu reflito sobre a personalidade do personagem sobre o qual estou escrevendo e tento encontrar algo que o forçaria a reagir. Por exemplo, recentemente eu tive que preparar para meu editor em Conan, Scott Allie, um resumo da direção em que pretendia levar Conan nas minhas primeiras doze edições, mais ou menos. De acordo com a linha do tempo estabelecida para o personagem e com as anotações deixadas por Robert E. Howard, após os eventos de “Rogues in the House”, Conan retornou para sua terra natal, a Ciméria. Então eu precisava bolar uma razão para ele faze-lo ir até lá, e uma trama interessante após sua chegada.


Bem, minha esposa e eu estavamos de férias, e fomos à um museu, aonde havia uma amostra sobre o “Bog People” (em português, é algo como “povo das turfeiras”), celtas vindos das regiões que hoje correspondem à França, Irlanda, etc, que eram estranguladas e desovadas em turfeiras. Tendo em mente que Howard imaginava os cimérios vagamente similares aos celtas, eu me peguei imaginando o que aconteceria se Conan, ao retornar à sua terra natal, encontrasse um desses bizarros rituais ocorrendo. O que ele faria?


Em outras oportunidades, eu estabeleço um tema para a história e coloco o personagem para reagir à ele. Por exemplo, com Hawkworld, queria abordar o tema dos ideais utópicos. Com isso em mente, eu quis brincar com o fato de que Katar Hol, o Gavião Negro, era um idealista e historiador ávido. Ele descobre a verdade sobre seu aparentemente utópico planeta, Thanagar – ele foi construído por séculos de um sistema repressivo e escravidão virtual. Isso despedaça seus ideais e faz da sua vida um inferno. Ele se redime, e acaba se tornando um herói quando decide se comprometer com seus ideais.


É basicamente assim que funciona: Eu penso sobre o personagem, e crio uma situação ou tema para eles reagirem. Isso dá tanto à história quanto ao personagem uma maior profundidade.


6 – Como é o seu relacionamento com seus editores? Como funciona, por exemplo, para elaborar um roteiro completo para a próxima edição de Conan?

Eu sempre me dei muito bem com a maioria dos meus editores. Scott Allie, em especial, está se mostrando um dos melhores. Ele é o mais analítico de todos os roteiristas que trabalhei, o que pra mim é ótimo. Ainda estamos nos acostumando com a forma que cada um de nós trabalha, mas está indo tudo muito bem. Descobri que eu e Scott abordamos assuntos de forma similar, e compartilhamos as mesmas idéias sobre os personagens e como desenvolver suas histórias. Scott Allie me faz examinar minhas próprias histórias um pouco mais do que outros editores com que trabalhei fariam. Eu o respeito muito. Faremos, creio, um trabalho fantástico.


Outros editores com quem trabalhei me mimavam um pouco mais, me deixando fazer o que eu quisesse. É evidente que eu gosto de trabalhar assim – mais de “mim” vem à tona no texto. Meu editor em Grimjack, Mike Gold, é assim – ele simplesmente deixa eu e John Ostrander livres na caixinha de areia como crianças, e como uma boa babá, apenas nos observa, mas sabe também a hora de se juntar à brincadeira e trazer suas próprias idéias. Cat Yronwode, que editou meu trabalho em Scout, era ótima para se trabalhar também.


Eu tive sorte com a maior parte dos meus editores. Geralmente, trabalho com pessoas que conhece meu trabalho bem o suficiente para saberem que podem me deixar relativamente sozinho. Eu sou como um velho cavalo selvagem. Se você tentar colocar rédeas em mim, eu tendo à lutar contra elas.


Costumo escrever o roteiro inteiro, embora algumas vezes eu tenha feito um argumento primeiro. Costumo partir direto pro roteiro porque eu também sou um artista, e, como tal, sou muito visual. Eu imagino os quadros, e escrevo a história, então tento deixar bem claro pro artista o que estou imaginando. Claro, sempre deixo tanta liberdade quanto possível, para que eles também possam contribuir com a história. O que eu mais quero é que o artista aprecie o fato de estar desenhando meu roteiro tanto quanto eu apreciei escrever. Trabalhando com John Ostrander, vi que escrever é uma colaboração com o artista. Não posso querer que ele seja as minhas mãos, simplesmente. O roteirista tem que dar ao artista a liberdade necessária para que possa contribuir tanto para a história como ele havia.


6.5. - O editor lhe diz o que fazer e o que não fazer?

Ver resposta anterior. Eu trabalho melhor com editors que me deixar brincar livremente e ser estranho. Entretanto, eu sou fácil de se trabalhar com. Se estou trabalhando num personagem cujos direitos pertencem à outra pessoa, eu aceito as opiniões e preocupações de um editor. Afinal, é o trabalho dele cuidar daquela propriedade na qual estou trabalhando, e eu respeito isso. Entretanto, se estou trabalhando com meus próprios personagens, eu espero no mínimo ser capaz de fazer o que eu bem entender com eles. É mais ou menos como alugar uma casa e ser dono de uma. Se a casa é sua, você pode pintar as paredes da cor que quiser, alterar o que quiser.


7 - Como foi que a Dark Horse lhe convidou para escrever Conan? Você é fã do personagem?

Conforme eu ia finalizando Grimjack: Killer Instinct, eu comecei a pensar no que eu gostaria de fazer em seguida. Eu sempre amei Conan, e sempre quis escrever uma história do personagem, e estava gostando bastante do trabalho que a Dark Horse estava fazendo. Na mesma época, eu vi um anúncio para “Conan e as Jóias de Gwahlur”, escrita e desenhada por P. Graig Russell. “Uau”, eu pensei. “Eles estão fazendo minisséries com o Conan agora? Será que vão fazer mais?”. Então eu mandei um e-mail para Scott Allie, dizendo-lhe que eu era um fã de Conan desde 1969, 1970 e que, se eles precisassem de um artista para uma minissérie ou até mesmo de um fill-in (artista tapa-buraco, que ajuda apenas em uma edição) eu adoraria fazer algo.


Quase na mesma hora ele me respondeu e antes que qualquer um de nós percebesse, já estávamos desenvolvendo “Conan e os Hinos dos Mortos”, uma minissérie em cinco parte, escrita por Joe R. Lansdale. E ficou simplesmente fantástico. É sangrento, é engraçado, é dramático, é algo que fica à altura do legado de Robert E. Howard. O fato de ser “celtas” como Howard ajudou. A origem de Howard, sua vida, realmente tem peso nos seus textos, mesmo em textos de fantasia. E para descendentes de irlandeses e escoceses como nós, é algo que vemos de forma diferente.


Enfim, pouco depois d’eu ter começado a trabalhar com “Hinos dos Mortos”, eu recebia outra ligação de Scott, desse vez com ele me oferecendo a oportunidade de desenhar duas edições da série mensal. Foi interessante ajudar Kurt à colocar em prática alguns de seus planos para o Princípe e para o Wazir, que aparecem de tempos em tempos na série.


Então, em Dezembro, começaram a circular rumores de que Kurt sairia do título e EU estava sendo cogitado para ser seu substitute.
Na hora eu contatei Scott, que confirmou. Foi realmente inesperado, e eu não poderia ter ficado mais feliz. Eu descobri que tanto Kurt Busiek quanto Mike Mignola haviam sugerido meu nome para Scott logo depois que Kurt aceitou ser contratado pela DC. Eu voei para Oregon para me encontrar com Scott Allie, Kurt Busiek e Mike Richarson para finalizar o contrato – e antes que eu soubesse, já era oficialmente o novo escritor de Conan. Como eu disse, é a realização de um sonho que eu tenho desde meus 12 anos de idade.


8 – Qual é a sua opinião sobre o trabalho de Roy Thomas?

Roy escreveu grandes histórias de aventura. Aquelas histórias antigas são muito divertidas de se ler, e a arte tanto de Barry Smith quanto de John Buscema foram uma grande influência para mim. Entretanto, eu deixei de acompanhar o título quando Roy, após adaptar a Rainha da Costa Negra, decidiu fazer aquela longa seqüência de histórias “Conan encontra Tarzan”, coisa com a qual eu simplesmente não me importava. Veja bem, eu era um grande fã do trabalho de Robert E. Howard muito antes da série da Marvel ser lançada. E nunca li nenhuma dos livros-“continuações” da série que eram escritos por outros autores que não Howard – apesar de ter gostado de alguns dos contos escritos por Lin Carter, em especial “The Thing in the Crypt”. Um dos meus contos favoritos do personagem era justamente “Rainha da Costa Negra”. Eu não gostei de “Amra”, o Tarzan que Thomas inventou, e o trabalho de Buscema no título já começa à apresentar sinais de cansaço, talvez pela quantidade de títulos que ele desenhava na época.


Entretanto, continuei acompanhando as histórias publicadas em “A Espada Selvagem de Conan”. Aquelas histórias em preto e branco eram sensacionais – e eu tenho todas. Roy parecia ser capaz de fazer naquelas histórias algo que fosse verdadeiramente à altura do que Robert E. Howard fazia nos livros, e a arte de Buscema era sensacional nelas. Eu sempre preferi histórias em preto e branco do que coloridas de qualquer forma – Creepy; Eerie; Vampirella; Savage Tales; quadrinhos europeus e sulamericanos; Savage, por Gil Kane; Saber por Gulacy e McGregor; as antologias StarReach, os gibis underground publicados na década de 1970. Enfim, nessas obras eu era capaz de ver a arte-final dada aos desenhos, e Buscema tinha alguns dos melhores arte-finalistas de todos.


De todos, o meu artist favorite em Conan é, entretanto, Neal Adams, ainda que ele tenha feito apenas uma história completa e partes de outras. Ele foi o único, na minha opinião, a verdadeiramente capturar a mesma ferocidade elegante que Frank Frazetta imprimia ao seu Conan nas capas que fez para os livros de Conan. Ele desenhava Conan conforme eu o imaginava. Quando o Conan de Adams se movia, havia uma periculosidade e uma graça quase ferina nele, exatamente como Howard descrevia o personagem.


Mas a melhor adaptação de um trabalho de Howard nos quadrinhos pra mim, não é nenhuma das histórias de Conan, mas a adaptação de Mike Plogg fez de “The Mirrors of Tuzun Thune”, um conto de Kull, publicada numa das edições de A Espada Selvagem de Conan. Ploog desenhou a história inteira com carvão. Simplesmente incrível. Eu também gusto de “Almuric”, que Tim Conrad fez para a Epic Illustrated (posteriormente republicada por Mike Richardson e a Dark Horse).

E, claro, “Pregos Vermelhos” (no Brasil, “Cidadela dos Condenados”), por Barry Smith. É o melhor que pode haver em arte de quadrinhos, assim como suas últimas quatro ou cinco edições na série mensal.


Dito isso, para mim, o Conan da Marvel existe num universo diferente do Conan de Robert E. Howard. Eu adoro aquele material, mas eles são o Conan como a Marvel o imaginou, não como Howard o imaginou.

Minhas histórias serão diferentes das da Marvel. Eu considero Conan um personagem incrivelmente complexo, e eu pretendo me aprofundar no que o faz funcionar. Há uma razão para ele ter um apelo tão grande, pra ele ter durado tanto tempo, e eu quero explorer as coisas que o fazem funcionar.


9 - Quais são seus planos para o título? Mais adaptações de histórias de Howard, mais histórias originais, arcos mais longos?

Eu adaptar os contos de Howard, mas, entre as adaptações, vou examiner o material de Howard e bolar histórias completas entre uma história e a próxima, compreendendo a linha de tempo estabelecida. Um das coisas mais incrivéis no trabalho de Howard são as coisas que ele deixa para brincarmos- pequenas pistas sobre histórias não-contadas de Conan e coisas assim. Então pretendo deixar minhas histórias originais os mais próximo possível do que Howard pretendia com suas histórias, ao mesmo tempo que teria a oportunidade de explorar algumas de minhas concepções sobre o personagem e seu mundo. Quando eu escrevo novas histórias, eu quero escrever coisas que o próprio Howard gostaria de ler e dizer “Nada mal! Nada mal mesmo! É isso aí!”. É esse o objetivo.


Eu nunca gostei de nenhum dos livros de Conan escritos por outros autores. Para mim, Howard era o único cara capaz de escrever Conan. Agora, entretanto, como parte do meu trabalho, me tornarei um daqueles escritores que eu tanto evitei! Eu vou ter que elaborar minhas próprias histórias, conceitos e personagens. Então eu sinto que tenho a obrigação de ir mais além e me manter ainda mais fiel ao trabalho de Howard que qualquer outra pessoa seria.

10- Qual é a sua opinião sobre o trabalho de Busiek? Você sentiu pressionado de alguma forma?

Kurt é um grande escritor. Ele trouxe grande humanidade à personalidade de Conan, e contou as histórias exatamente como elas deveriam ser contadas. Eu gostei da forma como ele retratou Conan no início de sua carreira. Quando Conan começou sua jornada, o cimério está ao mesmo tempo fora de seu meio-ambiente e adorando cada minuto. Kurt fez um grande trabalho mostrando Conan como um personagem forte que é capaz de lidar com qualquer problema com o qual seja confrontado, mas ao mesmo tempo é um jovem que ainda não teve muita experiência.

Kurt me entregou o personagem num grande ponto de sua vida – pouco antes dele tomar a decisão de se tornar um mercenário e, posteriormente, um pirata. Então eu estou tendo a oportunidade de mostrar um Conan um pouco mais durão.


11 - Você está prestes a começar uma série mensal, então aqui vai uma pergunta complicada: o que é melhor, escrever numa base mensal, com altos e baixos, mas com continuidade, ou contar apenas uma única grande história limitada?

Com outros projetos, eu preferiria escrever minisséries – histórias mais curtas, mas com maior impacto. Mas Conan é diferente. Com ele eu tenho a chance de explorar anos da vida de um dos meus personagens favoritos.

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